TERRA DE GIGANTES
Olá, independente da hora do dia, nós desejamos que seja boa. Somos 12 estudantes de jornalismo dispostos a trazer um conteúdo leve e acima de tudo relevante para você. Viajamos pouco mais de 600 quilômetros para que esse web documentário chegasse as suas telas. Prepare-se para conhecer histórias de pura resistência contada por negros e índios. Bem-vindo ao Terra de Gigantes!
Produção Textual:
Ana Maria Miguel
Sabryna Ferreira
Victória Coelho
Tábbta Morais
Produção Audiovisual:
Alberto Bunga
Ana Tália Rodrigues
Cristel Romero
Giovanni Manzolli
Juliano Vitório
Roberta Camila
Design e fotografia:
Ana Flávia da Silva
Edição:
Carlos Henrique
Juliano Vitório
Rafael Cardoso
Orientação:
Andreia Moura
Betina Pinto
Karla Erehnberg
Entrei na sala da faculdade e observei em cada canto, eles estavam lá, mas eram poucos.
Fitei as telas da TV e eles estavam lá. Não como deveriam, mas estavam.
Perguntei a um homem esperto sobre Zumbi dos Palmares e ele não fazia ideia de quem eu estava falando. Não desisti. Conversei com um mais estudioso. Ele sabia quem era Zumbi, mas não como deveria saber.
Abri os livros de história e eles estavam lá. Ouvi algumas músicas, eles também estavam lá, não como deveriam.
Ouvi que eles eram gigantes. Fui corrigida. Pintaram um povo que um dia já foi grande. Hoje, são apresentados de forma descontextualizada. Sexualizados. Marginalizados. Desafiadores da elite branca. Quem são eles? Você realmente sabe?
Quem te ensinou a respeito deles? Ensinou certo? E o que é certo quando falamos deles?
E sobre as feridas abertas há cerca de um século. Você viu as cicatrizes? Creio que não.
“Um mundo sem senhores e sem escravos. Um mundo de irmãos”. Cantou a canção. Ouviu, mas não como deveria. Se escravidão for só tronco e alforria estamos no caminho certo. Mas você sabe que não é.
O índio é vagabundo. O negro é ladrão. E você? Ah, você não é quem deveria ser.
Por que quando eu olho para você, eu vejo um pouco deles em cada pedacinho seu.
Você sabe do sangue que corre nas tuas veias.
Olhe-se no espelho. Você se vê neles? Não é cabelo crespo, nem cabelo escorrido. Não é melanina aguçada, nem olhos marcantes. Não, não é cara pintada, ou turbante. Candomblé, ou rituais.
É essência. É pele, alma. É coração. Sou eu, você, mais ninguém? Não. É todo mundo. É mundo.
É índio, é negro, é gigante!
POR ENQUANTO, RESISTA!
Seria uma utopia o fim do preconceito?
AS REVOLTAS, AS CONQUISTAS
Cabelos escorridos e pretíssimos, se assemelham de cor, aos olhos quase puxados. Sorrisos tímidos e vivos anunciam que é hora de ir para escola. A sala de aula é pouco utilizada, e quando isso acontece, o emaranhado de carteiras fica de lado. Há dezenas de brinquedos e crianças espalhados pelo chão. No Centro de Educação e Cultura Indígena Jaraguá, o Ceci, eles preferem assim.
Os olhos atentos ao educador Claudio Pereira revela que algo importante está sendo dito. Tudo isso acontece em sons rápidos e palavras que não se assemelham ao inglês, tampouco ao italiano. Há comunicação se dá em Guarani, língua exclusivamente aprendida pelas crianças que frequentam o Ceci.
O educador avisa que é hora de sair da sala de concreto para se aventurarem na natureza, sua segunda mãe. Disciplinados, os donos da liberdade se enfileiram em busca do novo. A atividade do dia é a mandioca humana, uma brincadeira indígena que arranca gargalhadas intensas dos pequenos. “Existem várias outras brincadeiras que a gente realiza com eles, como corrida de tora, arco e flecha, mas nosso maior objetivo é que eles entrem em contato com a natureza e aprendam com ela, porque o conhecimento do índio é diferente, a gente tem amor grande pelo meio ambiente”, explica.
Após uma série de brincadeiras, chega a hora do “recreio”. Há mesas pequenas onde todos são servidos. Comem juntos porque a união é um estilo de vida, ensinada desde os primeiros anos. Apesar da diversão e ensinamentos, os educadores sempre sonham com mais. Devido a demarcação das terras, há pouco espaço para tamanha liberdade que pequenos indígenas carregam consigo. Willian Moena, também é educador e um dos líderes no Jaraguá. Ele lamenta não poder oferecer tudo que a cultura indígena pode proporcionar às crianças. “A gente fala da caça e pesca, mas onde estão as matas e os rios?", questiona com tristeza.
O trabalho é árduo e os avanços acontecem aos poucos. A escola conta com um laboratório de informática, mas apesar de utilizarem os meios eletrônicos com naturalidade, eles preferem mesmo é correr de pés descalços pisando na terra marrom e viva da aldeia. Uma pausa na conversa para que Cláudio vestisse o casaco de uma de suas alunas. Eles trocam algumas palavras em Guarani e ela vai embora sorridente e protegida do frio. Após esse momento, ele comenta:
Aqui a educação é diferenciada,
eles têm muita liberdade,
não ficam trancados, são crianças livres,
porque com criança e qualquer
pessoa tem que ser assim.
No contexto dos indígenas do Jaraguá, todos são considerados educadores, desde uma criança, até um idoso. “Todo mundo sempre tem algo para ensinar”, apresenta o Cláudio. Os pequenos são ensinados também os saberes espirituais, aprendem pelo calendário dos índios e não o tradicional.
Após os cinco anos e 11 meses completos, é hora das crianças irem estudar em outra aldeia. Lá, eles continuam conhecendo da cultura, das tradições e inclusive o português. Entre todos os aprendizados, o maior deles é visto no rosto de cada criança daquela aldeia, a resistência.
Os pensamentos mudam, mas a cor e a resistência permanecem!
DONOS DA LIBERDADE
As crianças do Jaraguá aprendem diferentes assuntos na escola, um deles é a resistência.
FILMES E DOCUMENTÁRIOS DA
RESISTÊNCIA NEGRA E INDÍGENA
Lançamento: 7 de Outubro de 2016 Direção: Ava DuVernay Sinopse: Documentário que discute a décima terceira emenda à Constituição dos Estados Unidos - "Não haverá, nos Estados Unidos ou em qualquer lugar sujeito a sua jurisdição, nem escravidão, nem trabalhos forçados, salvo como punição de um crime pelo qual o réu tenha sido devidamente condenado" - e seu terrível impacto na vida dos afro-americanos. Assista ao trailer:
Lançamento: 2014 Direção: Steve McQueen Sinopse: 1841. Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor) é um escravo liberto, que vive ao lado da esposa e filhos. Um dia, ao aceitar um trabalho em outra cidade, ele é sequestrado e vendido como se fosse um escravo. Solomon passa por humilhações físicas e emocionais. Ao longo de doze anos, passa por dois senhores, Ford (Benedict Cumberbatch) e Edwin Epps (Michael Fassbender), que, cada um à sua maneira, exploram seus serviços. Assista ao trailer:
Lançamento: 2014 Direção: Justin Chadwick Sinopse: Inspirado na autobiografia de Nelson Mandela, lançada em 1994, o filme retrata todo o percurso traçado pelo líder sul-africano a partir de seu próprio ponto de vista, desde a sua infância, vivendo em uma pequena aldeia rural, até a eleição democrática ao cargo de Presidente da República da África do Sul. Em uma luta constante pelo fim do apartheid no país, Mandela (Idris Elba) passou 27 anos em cárcere pelo que acreditava. Assista ao trailer:
Lançamento: 22 de Janeiro de 2015 Direção: Liz Garbus Sinopse: Conheça a vida da cantora, pianista e ativista Nina Simone com gravações inéditas, imagens raras de arquivo, cartas e entrevistas de pessoas próxima da cantora. O documentário retrata uma das artistas mais incompreendidas de todos os tempos. Assista ao trailer:
Lançamento: 5 de Fevereiro de 2015 Direção: Ava DuVernay Sinopse: Cinebiografia do pastor protestante e ativista social Martin Luther King, Jr (David Oyelowo), que acompanha as históricas marchas realizadas por ele e manifestantes pacifistas em 1965, entre a cidade de Selma, no interior do Alabama, até a capital do estado, Montgomery, em busca de direitos eleitorais iguais para a comunidade afro-americana. Assista ao trailer:
Lançamento: 2 de Maio de 2014 Direção: Amma Asante Sinopse: Dido Elizabeth Belle (Gugu Mbatha-Raw) é a filha do capitão britânico John Lindsay (Matthew Goode) com uma escrava africana. Após a morte da mãe, Dido vai morar na Inglaterra com o tio, Lorde Mansfield (Tom Wilkinson), para ser criada como uma dama da aristocracia. A jovem se apaixona pelo advogado John Davinier (Sam Reid), mas esse relacionamento irá enfrentar os preconceitos da sociedade inglesa. Assista ao trailer:
Lançamento: 2002 Direção: PhillipNoice Sinopse: Molly Craig (Everlyn Sampi) é uma jovem australiana de 14 anos que, em 1931, foge de um campo do governo da Austrália com sua irmã e sua prima, criado para treinar mulheres arborígenes para serem empregadas domésticas. Ela guia as meninas por quase três mil quilômetros em busca da cerca que divide o país e que a permitiria voltar para sua aldeia de origem. Na jornada elas são perseguidas pelos homens do governador Neville. Assista ao trailer:
Lançamento: 2015 Direção: Thiago Carvalho Sinopse: Parente Guerreiro - Luta e Resistência Indígena é um documentário sobre o ato indígena realizado na Avenida Paulista, em junho de 2015, durante as gravações do documentário Atrás da Pedra - Resistência Tekoa Guarani. O vídeo mostra lideranças indígenas de todo o país discursando e percorrendo as ruas de São Paulo para reivindicar os direitos indígenas, se posicionar contra a PEC 215, o genocídio e o etnocídio. Assista ao trailer:
Lançamento: 27 de Abril de 2017 Direção: Tadeu Jungle Sinopse: É um documentário de curta-metragem, em Realidade Virtual sobre o povo Waurá, que vive no Parque Indígena do Xingu, no MT. O filme passeia pelo cotidiano da aldeia Piyulaga, que mantêm sua cultura tradicional ao mesmo tempo em que incorporam hábitos e tecnologias dos “brancos”. O curta é um alerta ao fogo que, devido ao desmatamento no parque e às mudanças climáticas, saiu do controle e ameaça a vida no Xingu. Assista ao trailer:
Lançamento: 2013 Direção: Rosane Svartman Sinopse: Abrigada entre as raízes de uma Grande Árvore, a bebê Tainá é salva pelo velho e solitário pajé Tigê, que passa a cuidar dela. Cinco anos depois, a indiazinha encara os malfeitores da floresta e desvenda o mistério de sua própria origem. Assista ao trailer:
Não resistiram em colocar esta placa. Resistimos em não sair daqui. Bem-vindo a Aldeia do Jaraguá.
Coloriram muros nas cores de liberdades. Escalaram cada um deles empoderados de resistência.
Não deixamos de resistir quando utilizamos aparelhos de dispositivos móveis, estamos apenas nos divertindo.
Ou quem sabe fazendo uma pesquisa no Google sobre como resistir ao preconceito.
Os muros da resistência vão ser destruídos. Basta seguir a seta azul. Bem-vindo ao Quilombo Cafundó.
Nossas casas são as mesmas, nossos utensílios de trabalho também. Só não se assuste conosco, nós mudamos e muito.
Temos celular, computadores e sabemos utilizá-los. Mas não deixamos de brincar no quintal.
Ainda comemos o que vem dá terra, não pela falta de acesso ao mercado, mas é que a natureza ainda zela por nós.
Viajamos até uma terra chamada Cafundó, lá vivem gigantes, comumente chamados de quilombolas!
VIDEODOCUMENTÁRIO
OS DISCOS, AS DANÇAS
O PASSADO VIVO
É avidez, intensidade e força. É poesia.
RAÍZES DO BRASIL
Desde os primeiros anos da infância, é comum meninas e meninos serem apresentados àquilo que não se parece com eles mesmo. Nessa variedade, há um padrão que difere das características de uma parcela da sociedade brasileira: pele rosada, cabelos dourados, olhos cor de céu em dia de sol e o modo de vida dessa gente. Coisa que nada tem que ver com a pele avermelhada e pintada, cabelos grossos e lisos, olhos escuros e repuxados dos indígenas do pico do Jaraguá. Muito menos com os cabelos enrolados que se combinam com a pele escura que cobre narizes largos e lábios grossos que os quilombolas do Cafundó conhecem.
Antes de dividir as pessoas
em grupos étnicos-culturais,
é preciso lembrar que todos fazem
parte de uma só raça, a humana.
A psicanalista e mestre em psicologia Rita Martins, explica que as pessoas afirmam sua identidade por meio da filiação social. Daí vem a importância de pertencer a grupos. “A cultura é transmitida de geração para geração. Revela uma linguagem coletiva repleta de crenças e valores, que determina padrões de comportamento socialmente aceitáveis”, expõe.
Mesmo sem ter nascido em uma aldeia e sem ter nome Tupi, a figura de Lílian de Souza logo denuncia sua ascendência parental. A universitária que é neta de “índia pura” aprendeu a nunca comer sozinha, costume do povo do qual descende. “A história da tribo que sou descendente é uma história de escravagismo. Eles sofreram bastante violência da parte dos homens brancos. Então, um costume que é muito marcado é o da união”, comenta e relembra aliviada.
Uma vez fora de sua cidade natal e longe da tribo da qual descende, a estudante aprendeu a odiar e amar sua cultura, respectivamente. “Não gostava que me chamassem de ‘índia’, porque via que as pessoas relacionavam esse nome a sujeitos que não são civilizados, iletrados, sem cultura e literalmente ‘do mato'”, lamenta.
Rita argumenta que a identidade adquire contornos por meio de características de personalidade, estilo de vida, da linguagem e dos sistemas simbólicos que representam o modo de ver o mundo e as ações. “Afirmamos nossa identidade, por meio da filiação social, podendo ser o grupo de aspiração (aquele que não pertenço, mas adoraria pertencer) ou rejeição (pertenço, mas não aceito, não quero) ”, esclarece. Deste modo, o comportamento é orientado para receber a aprovação desse grupo e ter o passaporte de entrada carimbado. “A partir daí, rotular é natural. Na verdade, rotulamos tudo: sentimentos, amizades, relações, absolutamente tudo”, acrescenta.
“Entendi que não posso ter vergonha do que realmente sou. Hoje tenho orgulho de dizer que possuo sangue indígena”, reconhece a universitária. E como velhos costumes nunca morrem, mesmo morando no estado de São Paulo, Lílian sempre procura se juntar com o máximo de pessoas fazer as refeições, pois suas tradições formaram quem ela é hoje.
Quando o “de onde venho” determina o “quem sou”.
Uma de nossas tradições é brincar de mandioca humana. Se soubesse como é divertido, não tenho dúvidas de que você iria se aventurar.
No balanço da liberdade, nossas tradições se reforçam nesta selva de pedra.
Os ensinamentos e tradições passam de pai para filho, afinal de contas, ninguém se educa sozinho.
Dividimos o pão não por pura tradição, mas sim por amor.
em uma aldeia, a moça traz consigo o reflexo da cidade grande. As pernas inquietas, se movem de forma sincronizada. Um gravador capta sua voz de um aparelho bem conhecido por ela, afinal, não largou seu aparato eletrônico nem por um segundo durante nossa conversa.
Patrícia é filha da mãe natureza. Vem de um povo que é livre. Em outros tempos, estaria vivendo em sua aldeia de origem até hoje, mas o processo de demarcação de terra mudou os planos de sua família.
Depois do descobrimento do
Brasil, nós não podíamos mais
ir para onde tivéssemos vontade,
antes tínhamos mais liberdade.
Patrícia é filha do saber. A família veio parar nas terras indígenas do Jaraguá para continuar uma história que começou a ser escrita muito antes dos portugueses pisarem em solos tupiniquins. Na aldeia, cada um tem uma função. Todo mundo aprende e ensina, desde os pequenos, até os mais avançados em idade. Com a índia não foi diferente, ensinou e aprendeu ao ponto de se tornar uma educadora e fazer parte da liderança da aldeia.
Patrícia é filha da organização. Sem ela, muita coisa na aldeia não funcionaria de forma tão perfeita. Para que este conteúdo chegasse até você, caro leitor, a moça cuidou de cada detalhe da nossa visita ao Jaraguá. Seu português é usado somente para a comunicação com os visitantes. Em dias normais e rotineiros tudo é falado no Guarani, idioma e povo tão orgulhado pelos índios.
A representação feminina na liderança da tribo é executada com maestria por Patrícia que luta pelo seu povo dentro e fora dos muros do Jaraguá. “Eu vou lá fora falar da nossa situação para quem pode nos ajudar para tentar melhorar nossa vida”, explica
Patrícia vai na frente e as crianças a acompanham até o parque do Jaraguá. Lá, o contraste do verde das florestas com o azul do céu transforma-se em uma sala de aula. Os meninos e meninas aprendem a respeitar a quem os índios devem muito, a mãe natureza. Sem cobranças, a educadora revela o significado de cada item que compõe a fauna, bem como a flora. O fato de estarem na maior cidade do país torna difícil manter a cultura e as tradições intactas.
Patrícia é filha da perseverança. Ela não desiste de ensinar às crianças, que nessa terra de gigantes, eles não são pequenos. “Eu tento ensinar a cada um deles que apesar de ser difícil manter nossa cultura, nós precisamos continuar tentando”, ressalta.
Patrícia é filha da resistência. Não só ela. Na aldeia, uma série de tradições são mantidas à risca. Seu lema é sempre seguir a cultura.
Patrícia também pode ser filha da dor. Dor esta, que provoca feridas abertas não só em índios, bem como em qualquer ser pensante desta vasta miscelânea de povos. A dor que ela sente pode ser minha, sua, de um homossexual, ou de um negro. Preconceito. “Quando nós saímos da aldeia, nós ouvimos palavra que ofende, machuca, mas a gente tem que resistir”, anima.
Patrícia é filha da felicidade. Ela vive de orgulho de ser índia, guarani, líder na aldeia, educadora e outras coisas boas que vou descobrir em um próximo encontro. “Não tenho do que reclamar. Eu tenho coragem e amo o que faço aqui”, orgulha.
Os ensinos recebidos pela índia passam de uma geração à outra. É um ciclo infinito que Patrícia protagoniza. Além deles, há uma cultura fortíssima em jogo, e uma resistência estonteante. Mesmo sem querer, há preconceito e demarcações territoriais. Mais querendo, existe coragem, amor e orgulho de quem se é.
Pode ser no Oiapoque, no Chui,
ou mesmo na vasta São Paulo,
Patrícia é e sempre vai ser
filha do Brasil.
Patrícia é filha da selva de pedra. Não nasceu em um hospital porque isso não tem que ver com seu povo. Ela é Guarani. Filha de pai e mãe indígena. Seu avô, de quem puxou alguns traços, era cacique e pajé na aldeia Tenondé Porã, onde ela nasceu. Seus olhos marcantes na cor de jabuticaba, combinadas com as unhas das mãos e pés, pouco fixam em mim. Mesmo morando
FILHA DO BRASIL
Descansamos em nossas tradições, na certeza de que estamos no caminho certo.
Pintou, bordou, esculpiu. Tradição não morre. Tem cor, flor e principalmente amor.
Não pense que nossas tradições terminam no bater dos tambores. Somos o que lemos nos livros e o que vivemos da vida.
Guardaram nossas tradições em papéis e colaram na parede. Peguei cada uma delas e revivi em memorias afixadas no coração.
LIVROS SOBRE A CULTURA
AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA
O Karaíba: Uma história do pré-Brasil, de Daniel Munduruku O livro apresenta a história de povos que viviam numa terra ainda não chamada Brasil. O texto apresenta essa terra como um personagem, com povos à sombra de uma profecia anunciada pelo velho Karaíba, de que “Um grande monstro” viria e destruiria tudo. A obra apresenta costumes, crenças e leituras do mundo pela visão cultural indígena.
Amazonas: Pátria da água, de Thiago de Mello O autor descreve com suavidade a beleza e a tristeza das águas, da floresta, das plantas e dos animais da Amazônia e trata de seus espíritos protetores, que tentam defender a floresta da ganância, do lucro, da caça predatória. Um retrato dos cantos dos índios, suas angústias e sofrimentos, mas anuncia a esperança de que a vida ainda pode ser salva.
Kiese: História De Um Africano No Brasil de Ricardo Dreguer O livro narra a trajetória de Kiese, um menino que foi capturado ainda na infância em sua aldeia, na África, e trazido para o Brasil para ser escravizado. A história de Kiese é a história de um brasileiro que lutou para conquistar um lugar para ser feliz com sua família, seus amigos e sua gente. Sua história se confunde com a própria formação do Brasil.
Da Cor Da Esperança: A Libertação Dos Escravos, De Márcia Abreu Da cor da esperança conta a história de um grupo de negros – escravos, livres e libertos – desde a captura na África até os movimentos abolicionistas. Gente que tinha dor e queria ser livre, gente que sofria e fazia festa, gente que amava e sentia medo.
História E Cultura Afro-Brasileira, De Mattos, Regiane Augusto A obra mostra que, apesar dos obstáculos impostos pela escravidão no Brasil, os africanos e seus descendentes encontraram meios para se organizar e manifestar suas culturas e, assim, influenciaram profundamente a sociedade brasileira como um todo. Livro indicado para alunos e professores.
A CARA LIMPA, A ROUPA SUJA
QUER QUE EU DESENHE?
Desenhar o preconceito não o ameniza. Pela ignorância de quem age assim, decidimos ilustrar a dura realidade vivida por negros e índios.
ESTEREÓTIPOS
Lembre-se, seja qual for a sua cor, tribo, sexo ou religião, somos uma única espécie: a humana!
Viajei pouco mais de 150 quilômetros para conhecer o Quilombo Cafundó. Naquele dia, o céu estava limpíssimo e o sol no auge de sua avidez. Os raios reluziam de forma intensa e eu não fazia ideia de quão rico seria os encontros reservados à mim. Um deles, foi com o quilombola Marcos Almeida, 58 anos. A melanina marcante daquele homem só não me chamou mais
atenção que seus olhos. Eles brilhavam tanto quanto o sol daquele dia. Posso dizer, que Marcos sorriu para mim durante toda nossa conversa, com os dentes e com os olhos.
Nascido e criado no Cafundó, ele traz consigo as marcas da resistência em seu sangue. A sua história começou anos atrás, quando seus bisavós chegaram ao quilombo. Ao perguntar sobre sua infância, ele sorri, como de costume. “Eu não tive infância. Quando as crianças estavam se aprontando para ir à escola, eu estava puxando enxada”, relembra. E não parou até hoje.
Marcos é agricultor, profissão ensinada pelos antepassados desde seus sete anos. Mas isso tem um fundamento. A troca dos livros pelos materiais de trabalho no campo, aconteceu por necessidade extrema. Naquele tempo, com uma família de oito filhos, eles plantavam para sobreviver. “Trabalhava para ajudar meus pais”, reforça. Dos oito filhos, só sobraram dois, Marcos e Juvenil. De todos eles, nenhuma se quer passou batido do preconceito. Em meio a sorrisos e lembranças, falar desse assunto não foi nem um pouco confortável.
Eles dizem que tem um direito dos
negros que é preservado, porque o
mas quando a gente sofre, nunca
consegue provar que sofreu desse mal.
O pior é que a turma tem uma
maneira discreta de expressar o
preconceito.
Seu Marcos nunca havia pisado os pés em uma sala de aula, pelo menos até esse ano, quando começou a estudar por um projeto de uma universidade que fica perto do quilombo. O quilombola está achando o máximo conhecer por outra perspectiva o mundo do saber, já que tudo que aprendeu na vida, aprendeu com os pais e avós.
A luta pelos estudos no quilombo foi uma batalha árdua, mas esse é um direito, e finalmente conseguiram. Marcos acha que o estudo é a coisa mais importante no mundo. Ele se entristece ao recordar o quanto não ter esse bem fez falta para suas gerações passadas. “Meus antepassados perderam tudo. Minha mãe, meu pai, meus avós, eles não sabiam ler e muitas pessoas se aproveitaram da ingenuidade deles. Nós perdemos muitas terras por isso”, lamenta.
Marcos fala português comigo, pois eu não entenderia se ele falasse em quimbundo, língua ensinada pelos antigos. Não vou arriscar, mas aprendi algumas palavras com ele. “Você veio da cidade saber um pouco da minha história”, disse em quimbundo para mim. Manter as tradições não é tarefa fácil, mas eles resistem. O tempo pode ser visto como um Deus, e em meio a lutas e conquistas, melhorias aconteceram. Não como deveriam, mas aconteceram. ”De uns três anos para cá, é que as coisas começaram a ficar melhor. Essas casinhas bonitas, eram tudo de sapé”, comenta
DINHEIRO NENHUM PAGA
O sorriso voltou quando ele relembrou da avó Efigênia, a senhora que descansou das lutas há algum tempo, e deixou com o neto alguns ensinamentos, um deles, como fazer as esteiras de taboa. Marcos mostra os dentes com afinco, um dos motivos é a fé. “Eu estou vivo porque Deus quis”. Além da fé, o sorriso aberto traz um emaranhado de gratidão. Ele agradece pela vida que tem e pelos que vieram antes dele.
Ser quilombola é um privilégio,
uma herança que dinheiro nenhum paga.
Marcos Almeida
O PRECONCEITO NA PELE
Relatos de negros e índios que sofreram na pele o constrangimento da discriminação.
QUEM É A MÃE DA CRIANÇA?
A mãe é branca e a filha é negra. Isso seria possível? Confira neste teste.
TUDO ISSO JÁ FOI DITO ANTES
Foram tirados de casa à força, isso era 1530. O solo seco gritava não só de sede, mas também de saudade. Os pés sentiam falta do pó vermelho da terra. Os ouvidos, das músicas tanto quanto o corpo das danças. Saudade se si mesmos, de quem costumavam poder ser. A resiliência podia ser vista pelo pigmento da pele, pelos ombros largos dos homens, pelas coxas grossas das mulheres e o coração de ambos, que sangrava. A pele aguentava o sol. Os ombros carregavam tudo o que lhes era imposto, as coxas eram as formas do teto que abrigava gente “sem cor” e coração... Ah, coração! Este batia triste, com tanta saudade que pôs a casa em tudo o que via pela frente. Mas foi assim, se colocando e sendo colocados em todos os lugares, que os filhos da África adotaram a nação verde e amarela como mãe e fizeram dela uma pátria amada. Hoje, filhos tupiniquins são netos da mama África. O Brasil tem gingado de capoeira, som de tambor e gosto de feijoada. Olhe ao seu redor,
a África está aí!
O ano? 1500. O dia parecia mais um daqueles onde a rotina se perpetua. Tudo fluía como um dos tantos rios espalhados pela selva. Os rituais religiosos foram seguidos à risca, bem como a hora da caça. As crianças eram supervisionadas pelas mães que dividiam o olhar com o alimento sob o fogo. Os pequenos se divertiam com brinquedos feitos de utensílios providos pela mãe natureza. O verde universal do ambiente era contrastado com o azul do céu. O som dos pássaros era amistoso e sublime. Entretanto, uma atmosfera distinta tomou conta do ambiente, riscou o horizonte e se aproximou com impotência. Um barco gigantesco vindo em direção à terra seca fez com que a atenção das mães fosse dividida em mais uma atividade. Há quem se escondeu de medo do que poderia ser, ou acontecer. O povo que estava lá se diferenciava dos que estavam chegando em muitos aspectos, um deles: a cor da pele. O índio, dono da terra, não fazia ideia de que o “homem branco” chegaria para ficar, “para descobrir”. Trocaram suas riquezas por coisas banais. Foram passados para trás, estando na frente.
O INÍCIO
Foram passados pra trás, estando na frente. Modificaram seus costumes. Foram influenciados, assim como influenciaram. Tanto que estamos aqui, falando deles, do passado e vivendo por meio de um clique, o presente.
ENTREVISTA COM GERMANA RAMIREZ
Um panorama geral da história de negros e índios.
ARTIGOS CIENTÍFICOS SOBRE A CULTURA
AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA
NOSSA EQUIPE
Produção. "Essa terra foi construída pela meus antepassados. A verdadeira história não sei, o que sei é que teve sangue derramado. Foi com homens valentes nessa miscigenação de Preto e índio que criamos essa Terra de Gigantes."
Direção de design e fotografia.
Repórter.
Produção.
Produção.
Produção e fotografia. "Aprendi que a sociedade criou a capacidade de ignorar e ocultar verdadeiros mundos paralelos em pról de uma suposta civilização que apaga ricas culturas defazadas pela mão ferruginosa do tempo."
Infografia.
Produção e fotografia. "Na cidade gigante suportamos, lutamos, resistimos. Juntos, um gigante não é tão grande assim..."
Repórter. “Aprendi que ser gigante é preservar nossas raizes. Embora seja importante saber para onde vamos, lembrar de onde viemos é fundamental.”
Repórter.
Produção teórica e reportagem.
Direção de reportagem.
PLAYLIST TERRA DE GIGANTES
Preparamos uma playlist carregada de história e resistência. Escute aqui:
Ouço um novo canto
Que sai da boca de todas as raças,
Com infinidade de ritmos.
Canto que faz dançar todos os corpos,
De formas e coloridos diferentes.
Canto que faz vibrar todas as almas,
De crenças e idealismos desiguais.
É o canto da liberdade,
Que está penetrando,
Em todos os ouvidos.
Solano Trindade